Cidadania

Para sobreviver, a humanidade precisa reagir à desinformação

 

O último Boletim dos Cientistas Atômicos, publicado em 27 de janeiro, alinhou a desinformação às três grandes ameaças — nucleares, tecnológicas e climáticas — que atualmente colocam em risco a sobrevivência da humanidade e da própria Terra. Com base nisso, o Conselho de Ciência e Segurança, responsável pelo Boletim, decidiu por manter o Relógio do Juízo Final a 100 segundos do fim do mundo.

Sinais

Ainda que este posicionamento possa parecer exagerado, existem sinais que indicam que, de fato, ele é bastante relevante. Em plena pandemia, por exemplo, é fácil observar na sociedade uma resistência considerável às informações que têm sido emitidas por autoridades científicas reconhecidas internacionalmente, o que vem sendo estimulado por interesses políticos e ideológicos. Com isso, as medidas que são consideradas as mais plausíveis no combate à Covid-19 — como as que recomendam o distanciamento social, o uso de máscara e a vacinação — acabam recebendo ataques nas redes sociais e nas conversas mais íntimas, entre amigos e familiares.

Outro fato notório que está relacionado à desinformação ocorreu há cerca de um mês, com a invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, produzindo cenas que, em um passado não muito distante, só seriam imaginadas por autores de ficção. Para chegar ao ponto de ameaçar a democracia na primeira república constitucional do mundo, em grande medida, os invasores da sede do congresso norte-americano foram movidos por ideias conspiratórias que transitam pela internet há algum tempo, como apontam as investigações em torno dos fatos.

Vida real

Estas duas situações confirmam que a desinformação, que, em sua maior parte, é disseminada no universo digital, pode levar a consequências materiais na vida real. De acordo com a especialista em cibersegurança Kelly Born, diretora do Centro de Políticas Cibernéticas da Universidade de Stanford, na Califórnia, a desinformação digital adquiriu notoriedade a partir da campanha do Brexit no Reino Unido e da campanha de eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos. “Embora adversários estrangeiros, bots (robôs digitais) e contas falsas tenham dominado o diálogo sobre desinformação desde 2016, no último ano, influenciadores domésticos – pessoas reais com identidades autenticadas – assumiram o controle. Como resultado, a desinformação tornou-se global”, destaca Kelly.

Entretanto, a diretora considera que, mesmo com a presença de novos atores de carne e osso nesse universo da desinformação, a base do problema permanece nas empresas de mídia sociais que buscam envolver os usuários da internet, tendo com única finalidade o lucro. “Isso, juntamente com a predisposição psicológica das pessoas para se envolverem mais com notícias que afirmam suas crenças e identidades preexistentes, resulta em um ecossistema de informações onde falsidades viajam em média seis vezes mais rápido do que fatos”, revela.

De acordo com Kelly Born, junto com uma legislação que puna a desinformação — como a Lei de Fiscalização de Redes, da Alemanha, que permite multas de até € 50 milhões a sites que publicam conteúdo “obviamente ilegal” —, a moderação de conteúdo e a curadoria de rede por empresas de mídia social podem figurar entre os recursos capazes de contribuir para minimizar a disseminação das notícias falsas ou distorcidas que levam à desinformação. “Alguns esperam evitar o problema de moderação de conteúdo, por meio de duas reformas voltadas para o público: controles de usuário aprimorados e treinamento de alfabetização digital implantado em plataforma”, explica.

Controle e alfabetização

A ideia de controle de usuários já é conhecida de grande parte do público que utiliza o “controle dos pais”, por exemplo. Ela também pode se estender à configuração de filtros, como o de anúncios políticos, palavras sensíveis, acesso a sites, entre outros.

Como segunda ferramenta, o treinamento de alfabetização digital implantado em plataforma se apresenta como recursos de navegação que ajudam o usuário a transitar com maior segurança pelo ecossistema de informações. São tecnologias que procuram, por exemplo, controlar de forma preventiva a exposição dos usuários da internet à desinformação, ajudando-os a encontrar os fatos reais. “Mas, esses esforços esbarram em problemas de escala e seleção. As pessoas estão ocupadas. Mesmo que possam encontrar tempo para treinamento especial, aquelas que se inscreveriam em tais programas não são necessariamente as mais vulneráveis à desinformação”, considera Kelly.

Treinamento jornalístico

A especialista entende que o treinamento em alfabetização jornalística também possa ser fornecido diretamente em escala mais adequada ao problema. “Aqui, alguns experimentos iniciais parecem promissores. A recente adição de avisos encorajando os usuários a  lerem um artigo antes de retwittar  no Twitter levou a um aumento de 33% nos usuários que abrem artigos antes de compartilhá-los. Da mesma forma, estudos do MIT mostram que “estímulos de precisão”, que levam os usuários a pensarem sobre a veracidade de uma história antes de compartilhá-la, podem ajudar a reduzir a disseminação de informações incorretas. O Facebook anunciou um investimento inicial de US$ 2 milhões em 2019 para apoiar projetos de alfabetização midiática e manteve o apoio a tais projetos em 2020”, destaca Kelly.

Com assim, é possível entender que as redes sociais procuram desenvolver um usuário mais crítico, detentor do bom senso e apto a se relacionar com o universo midiático digital. De posse da capacidade de julgar com prudências os conteúdos que recebe e, na dúvida, de averiguar a veracidade destes junto a fontes fiáveis, o público se tornaria menos vulnerável às informações falsas e menos afoito para disseminá-las.

Talvez, assim, a desinformação deixe de figurar como uma das grandes ameaças que hoje pairam sobre a humanidade.


Uma dica

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