Cidadania

Os jogos de computador e telefone que podem contribuir com a formação cívica

Enquanto para alguns pode parecer perda de tempo, um contingente cada vez maior de pessoas vem recorrendo aos jogos que estão disponíveis nos computadores ou nos smartphones, que são vistos por elas como excelentes formas de passar o tempo e de se divertir. Contudo, para a professora Karen Schrier, que é diretora de Jogos do Colégio Marista de Nova Iorque, muito além de uma fonte de distração divertida, esses recursos da informática também criam oportunidades para que jogadores de todas as idades participem de exercícios cívicos, mesmo sem perceber.

De acordo a professora, quem participa de determinados jogos pode, inclusive, acabar se envolvendo em debates e em discussões de cunho político, assumindo perspectivas dos outros e até protestando contra questões dos mundos físico e virtual. “Os jogos podem ajudar os jogadores a praticarem habilidades importantes relacionadas à cidadania e à vida pública, como comunicação, empatia e compaixão, pensamento crítico e solução de problemas”, considera.

Em artigo para o The Conversation, Karen destacou cinco jogos que oferecem essa ajuda.

Fortnite

No modo mais popular do Fortnite, os avatares de 100 jogadores são levados a uma ilha onde deverão lutar até que apenas um sobreviva. Ao longo do jogo, os participantes precisam coletar itens, construir abrigos, encontrar armas e evitar as intempéries.

Para Karen, os objetivos do Fortnite ajudam os jogadores a desenvolverem o pensamento estratégico e o gerenciamento de recursos limitados. “Eles também são úteis na resolução de problemas cívicos. Um jogador  precisa pensar sobre os melhores lugares para construir um abrigo, quando tomar poções de saúde ou quanta madeira e pedra armazenar, assim como uma comunidade tem que pensar em como proteger estruturas ou armazenar suprimentos de primeiros socorros antes de chegar uma tempestade”, compara.

Karen destaca que o Fortnite serviu, inclusive, como meio para uma série de conversas sobre raça e política, que foram apresentadas por Van Jones, comentarista político da CNN,  e que contou com palestrantes, como as jornalistas Jemele Hill e Elaine Welteroth.

Minecraft

No Minecraft os jogadores podem se encontrar para quebrar tijolos que se transformam em material que permite criar vários itens — como ferramentas, edifícios e alimentos. O jogo oferece diferentes modos, como o de sobrevivência, no qual os jogadores precisam manter sua saúde encontrando recursos, ou o modo criativo, em que os participantes devem modificar o jogo para desenvolver novos itens ou atividades. Assim, como ocorre com planejadores e construtores do mundo real, os jogadores do Minecraft precisam pensar sobre onde construir ou quais materiais usar para criar uma casa ou prédio, por exemplo.

Karen observa que, além disso, quem joga Minecraft pode usar o jogo para se envolver em histórias relacionadas com a sociedade. “No ano passado, milhares de espectadores do YouTube e do Twitch assistiram a transmissões ao vivo do Minecraft em um mundo virtual específico que foi compartilhado. Enquanto jogavam Minecraft, eles realizaram uma narrativa dramática relacionada a uma eleição fictícia para o presidente de um mundo que criaram, chamado L’Manberg. Nesta eleição, quatro partidos políticos imaginários competiram. A final, em janeiro de 2021, atraiu mais de 650.000 espectadores no YouTube e no Twitch e lidou com questões como fraude eleitoral”, observa.

Among Us

No Among Us 10 jogadores online figuram como tripulante de uma nave espacial, onde um ou dois deles são impostores, que fingem realizar funções da tripulação, mas, que, na verdade, têm como objetivo eliminar os demais. Durante o jogo os participantes precisam usar habilidades de comunicação e de deliberação para tentar descobrir quem são os falsos tripulantes. Cada um apresenta o seu próprio argumento sobre quem eles acham que é o impostor e fornece evidências persuasivas do tipo eu vi o fulano correndo do refeitório que tentam convencer os demais de suas próprias teses.

Segundo Karen, a necessidade de compartilhar evidências e de usar habilidades de raciocínio e técnicas persuasivas fornece a prática na colaboração para resolver problemas de grupo. “Este jogo também foi usado por políticos do mundo real para envolver as pessoas. Em 2020, os congressistas dos EUA Alexandria Ocasio-Cortez e Ilhan Omar jogaram Among Us e transmitiram a partida ao vivo no Twitch, onde mais de 400.000 pessoas assistiram”, exemplifica a professora.

Animal Crossing: New Horizons

No Animal Crossing o personagem do jogador se muda para uma ilha deserta, que deve ser desenvolvida por ele. Pra isso, ele precisa explorar o ambiente e coletar insetos e peixes e criar uma comunidade de animais com formas e comportamentos humanos. O jogo oferece a possibilidade de interação com outros participantes, com quem é possível negociar a oferta e o recebimento de itens que permitem a personalização de suas casas nas respectivas ilhas.

No desenrolar das atividades é possível que as pessoas expressem suas preferências pessoais. Como por exemplo, criar uma sala de estar com tema aquático ou que pareça uma biblioteca, conforme a própria vontade. Além isso, é preciso dar presentes que atendam aos desejos de outros jogadores, o que exige um conhecimento sobre os interesses e perspectivas dos demais participantes.

Keren considera que aprender a se expressar e a compreender as necessidades dos vizinhos ajuda os jogadores a se sentirem parte de uma conversa mais ampla sobre como a sociedade melhora o mundo. “Durante a campanha eleitoral, Joe Biden e Kamala Harris criaram suas próprias ilhas no jogo, que apresentavam versões virtuais das figuras políticas e incentivavam os jogadores a votarem. Como parte do jogo, a (organização não governametnal) Pessoas pelo Tratamento Ético dos animais (Peta, na sigla inglês) até fez um protesto, contra um museu digital existente no jogo, pedindo que as jaulas e as exposições virtuais fossem esvaziadas, libertando as criaturas digitais”, conta.

Plague, Inc .: The Cure

No jogo Plague, Inc., o primeiro da série, o objetivo é desenvolver e espalhar patógenos que tenham capacidade de se espalharem por todo o mundo. Entre outras variáveis, cabe ao jogador definir os meios de transmissão  Assim, ele define o sucesso da doença ao se espalhar pelo planeta. Em 2020, logo no início da pandemia da Convid-19, o jogo chegou a ser tirado do ar, por motivos de óbvia inconveniência para o momento.

Porém, na versão Plague, Inc .: The Cure, mais recente, os jogadores assumem o papel de combater o surto, da mesma forma como vem acontecendo na vida real. Assim, eles precisam desenvolver uma vacina ou fazer políticas em torno do mascaramento ou do distanciamento social e observar as consequências econômicas e sociais que ocorrem como desdobramento das medidas adotadas.

“Jogar jogos como esse ajuda as pessoas a compreenderem sistemas complexos e como a interseção de fatores dinâmicos pode ocorrer em uma sociedade”, considera Karen.

Jogando e aprendendo

Segundo a professora Karen Shcrier,  desenvolver habilidades para solucionar problemas em grupo, compreender crises mundiais, observar as autoridade, ente outros fatores, figura como engajamento cívico, ação social e ativismo, mesmo quando estão acontecendo em um jogo digital. “Claro, assim como em todos os espaços públicos e comunidades cívicas, é importante considerar se todos podem participar igualmente. Os obstáculos à adesão incluem a necessidade de ter computadores ou smartphones, acesso à internet e tempo livre para jogar. Os preconceitos que moldam o mundo infelizmente também afetam os jogos e se as pessoas sentem que pertencem e podem se expressar nos mundos dos jogos”, observa.

Karen cita como exemplo a possibilidade de os designers limitarem os tipos de texturas de cabelo — como o Tipo 4, uma textura de cabelos muito encaracolados, rara em jogos — ou tipos de corpos que os jogadores possam aplicar aos avatares. “Jogos mais inclusivos e equitativos podem ajudar ainda mais pessoas a aprenderem e a participarem da educação cívica”, considera.

Para a professora, os jogos podem até ser maneiras úteis de explorar mudanças potenciais nos sistemas sociais, políticos e econômicos. “Permitir que milhões de pessoas experimentem em um mundo digital pode fornecer insights que identifiquem políticas produtivas e destrutivas, que podem ser adotadas no mundo físico. Por exemplo, por meio do jogo EterRNA , os jogadores já estão ajudando a projetar novas vacinas de mRNA que podem se defender contra variantes do coronavírus que causa a Covid-19. Os jogos podem revelar falhas, oportunidades e até soluções para problemas preocupantes”, conclui Karen.

Uma dica

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