Educação Ambiental para evitar pandemias e salvar a Terra
por Carlos Alberto Rocha
Aquecimento global, desmatamento, geração de resíduos, espécies ameaçadas, caos urbano, escassez de alimentos e de água e, como se já não bastasse tudo isso, agora temos também uma pandemia. Entre tantos outros, estes são apenas alguns dos múltiplos problemas ambientais causados diretamente pelo ser humano e que impõem à própria humanidade um custo altíssimo, que, frequentemente, tem efeitos negativos sobre o meio natural e realimenta os mesmos problemas.
Mas, será que é possível reverter a situação de agressão ao planeta que a civilização vem provocando há tanto tempo? Será que podemos tomar alguma atitude para frear os danos e prevenir situações de risco, como o de uma nova pandemia?
Mesmo que o prazo esteja encurtando — há um estudo que no dá apenas 40 anos antes de o planeta entrar em colapso —, a resposta ainda pode ser um belo e sonoro sim. Desde que as pessoas, individual e coletivamente, assumam as próprias responsabilidades diante das causas ambientais e sociais, podemos salvar o nosso planeta e, consequentemente, a humanidade, e evitar que próximas tragédias como a que estamos vivendo ocorram ou que, pelo menos, as próximas tenham seus efeitos reduzidos.
Porém, considerando a imensa desigualdade social e cultural que existe entre os vários países e também entre populações de uma mesma nacionalidade, alcançar esse ideal exige mais do que um grande otimismo. Faz-se necessário um esforço de conscientização imenso que envolva toda a sociedade e é nesse sentido que as práticas da Educação Ambiental se inserem.
Processo de construção da cidadania
As primeiras referências à Educação Ambiental surgiram em Paris, em 1948, durante reunião da União Internacional de Conservação da Natureza (UICN). Entretanto, as definições dos processos educacionais voltados para as causas ambientais só começaram a receber uma forma mais clara durante a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, na Suécia, em 1972. As diretrizes sobre o tema seriam lançadas cinco anos mais tarde, durante a Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental realizada em Tbilisi, capital da Geórgia, em um evento que contou com a participação do Brasil.
“Entendem-se por Educação Ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade”. Esta definição é dada pelo Artigo 1º da Lei Federal nº 9.795, de 1999, que implantou no Brasil a Política Nacional de Educação Ambiental (Pnea).
Por ordenação da Pnea, a Educação Ambiental deve ser uma prática permanente da educação nacional, recebendo abordagens formais e não-formais. A legislação estabelece que os processos educativos devam ser conduzidos por meio da participação de todos os atores sociais, o que inclui o Poder Público, as instituições, as empresas e, sobretudo, a sociedade civil.
Considerando que o cidadão consciente das próprias responsabilidades tende a agir de maneira coerente com as necessidades ambientais, a Educação Ambiental atua justamente na promoção dos valores da cidadania, tendo como foco a construção de uma vivência humana sustentável sobre a Terra. De acordo com a doutora em Educação e especialista em Educação Ambiental Inês Noronha, os resultados desta prática podem, entre outros benefícios, representar um caminho para melhorar a gestão do país e do próprio planeta. “É como uma verdadeira formação do espírito de cidadania. A começar do simples e complexo ato de agir localmente e pensar globalmente. As ações devem partir do meu eu, da minha casa, da minha rua, do meu bairro, da comunidade e, assim, sucessivamente”, considera Inês.
Para a educadora, o caráter consumista da sociedade contemporânea tem levado a humanidade a extremismos sem precedentes, que podem ser revertidos pela Educação Ambiental. “Haja vista os acontecimentos no que se refere às consequências das mudanças climáticas. Na área da educação, usamos muito a seguinte frase: a gente educa pelo exemplo. Refletindo sobre isto, penso que cada cidadão consciente poderá atuar no próprio cotidiano, do local ao global. No entanto, isso não descarta, em hipótese alguma, as ações das políticas públicas e estas devem ser constantes e prioritárias para que as ações individuais tenham sustentação em si mesmas”, diz Inês.
Considerando esses aspectos, podemos avaliar a construção de valores sociais, de conhecimentos, de habilidades, de atitudes e de competências voltadas para a conservação do meio ambiente que são preconizadas pela Pnea como os meios que a sociedade pode seguir para proteger a humanidade de outros graves episódios no futuro. Com os princípios cívicos consolidados — como o da solidariedade, do respeito mútuo, do espírito de coletividade e de cooperação, da liberdade e autonomia, da honestidade e da responsabilidade, entre outros —, a sociedade poderá se tornar apta a viver de forma menos agressiva sobre a Terra, e, ao mesmo tempo, prevenir novas ameaças e reagir de forma eficiente diante daquelas que forem inevitáveis, o que teria sido extremamente oportuno diante da atual pandemia que vivemos.
Era do Antropoceno
É de amplo conhecimento a incidência de outras pandemias que, como a atual, causaram consideráveis prejuízos materiais e de vidas para a humanidade. Como exemplo, valem destaques os danos provocados pela gripe de 1580, que surgiu na Ásia e se espalhou pela Europa, pela África e chegou até à América do Norte, e pela gripe espanhola que, entre 1917 e 1920, levou milhões de pessoas à morte.
Também não é de hoje que a ciência e até o entendimento popular relacionam o surgimento de doenças com o complexo emaranhado de fatores antropogênicos — ou seja, originados na ação humana — que potencializam os surtos sanitários. Densidade populacional, humana e de animais em confinamento, desmatamento e expansão de terras agrícolas, caça e comercialização de animais selvagens e mobilidade humana são aspectos bem conhecidos, que se tornaram grandes responsáveis pela disseminação de vírus e de microrganismos que afetam a saúde humana.
Explicando a relação que há entre a pandemia da Covid-19 e o meio ambiente, a doutora em Ciências e pesquisadora Nelzair Vianna, do Instituto Gonçalo Muniz, braço da Fiocruz na Bahia, destaca que, de acordo com estimativa científica, cerca de 70% das doenças infecciosas emergentes surjam da interação entre o homem e o meio ambiente, o que ocorre principalmente pela manipulação inadequada de animais silvestres e pelo impacto nos habitats naturais. “É por isso que doenças como HIV, ebola, dengue, zika e chikungunya, assim como a Covid-19, são conhecidas como zoonoses, pois eram originalmente patógenos que circulavam apenas em animais, vertebrados ou invertebrados”, explica a pesquisadora.
Destacando que vivemos a Era do Antropoceno — um tempo geológico que, segundo o Prêmio Nobel de Química e criador do termo Paul Crutzen, é caracterizado pela intensa influência dos humanos sobre a Terra, o que vem ocorrendo de maneira especial nos últimos séculos —, Nelzair considera que os caminhos de desenvolvimento econômico que a humanidade escolheu estão modificando de forma alarmante as condições climáticas no planeta. “Há um movimento de globalização e de exploração do ambiente que não tem considerado os limites das fronteiras planetárias”, avalia a pesquisadora.
Mudanças necessárias
A fim de dirigir este movimento para um caminho adequado e preservar a Terra e a própria humanidade de si mesma, é claro, não basta haver mudanças de posturas individuais. Para barrar futuras pandemias, por exemplo, Nelzair Vianna considera necessária a ação da ciência, como a que ocorre nas pesquisas sobre as interações entre humano e animais silvestres, que podem fornecer conhecimentos que permitam evitar e estimar o surgimento de novos surtos. Como ressalta a pesquisadora, há estudos que caminham neste sentido ao investigar a relação intrínseca existente entre a saúde da humanidade, como um todo, com o estado dos sistemas naturais dos quais ela depende, o que se manifesta como um excelente passo na proteção da saúde pública.
Para a cientista, contudo, a prevenção de doenças também envolve mudanças socioeconômicas e ambientais e aspectos biológicos e comportamentais de seres humanos e dos animais, o que exige a interação de disciplinas diversas. “A pandemia tem nos alertado para o abismo das desigualdades sociais e para a necessidade urgente de políticas que preencham as lacunas das bases sociais, que ainda são desprovidas do mínimo de acesso aos recursos naturais básicos, como água e ar de qualidade e saneamento básico para uma vida saudável”, considera Nelzair.
A pesquisadora entende que uma das grandes lições aprendidas com a pandemia vem da percepção de que as ações de instituições e de governos aliadas à colaboração entre cidadãos podem proporcionar a redução do impacto ambiental que a existência humana provoca, o que viabilizaria as mudanças necessárias. Portanto, se por um lado existem organizações científicas e governamentais que atuam em seus respectivos setores de responsabilidade, por outro, a própria sociedade deve buscar meios para incrementar o espírito de cidadania, indo ao encontro daqueles valores cívicos que a Educação Ambiental busca promover.
Motor de colaboração
Um dos papéis fundamentais da Educação Ambiental está em transformar conhecimentos que muitas vezes são esotéricos em informações exotéricas. Ou seja, entre suas práticas, a Educação Ambiental muitas vezes se dedica a sintetizar temas técnicos e científicos em questões mais simples, que possam ser mais facilmente assimiladas pelas pessoas com os mais variados níveis de compreensão. Com isso, é possível aplicar o enfoque humanista, holístico, democrático e participativo que também é preconizado pela Pnea.
Aproximando o cidadão comum de fatores que muitas vezes estão distantes de sua realidade diária e clareando pare ele aqueles que são obscuros — como os que estão relacionados ao comportamento de um vírus, por exemplo, que até recentemente eram um mistério para grande parte das pessoas e que continua misterioso para outra parte considerável —, é possível buscar nesse mesmo cidadão a capacidade que ele tem para agir de forma proativa na sociedade. É neste aspecto que, de modo semelhante ao que ocorre com as boas práticas do jornalismo, que são transversais aos conhecimentos — ou seja, que buscam alcançar toda forma de conhecimento que há na humanidade para, ainda que minimamente, torna-la compreensível ao homem comum — é que a Educação Ambiental pode oferecer uma grande contribuição à humanidade.
Afinal, ao simplificar temas complexos e ao apresenta-los de maneira que possa ser compreendida por uma fatia mais ampla da sociedade, demonstrando também como esses temas influenciam nossas vidas cotidianas e sobre como podemos nos posicionar diante deles individual e coletivamente, a Educação Ambiental pode contribuir para que o espírito de colaboração entre os humanos se faça mais presente.
A esperança não voou para longe
Lançando mão de uma boa analogia, a pesquisadora Nailza lembra o mito de Pandora, a primeira mulher que foi criada pelo deus grego Zeus e que, movida pela fraqueza humana, abriu a caixa — ou o jarro, com narrado em outras versões — que guardava todos os infortúnios e todas as pragas do mundo. “Podemos (de maneira análoga) observar que a agressão compulsiva ao meio ambiente, causada pelo modelo econômico e pelo estilo de vida impostos por uma sociedade globalizada, tem disseminado tantos males no planeta”, ela compara.
Em contrapartida, a humanidade já deu várias provas da capacidade que tem para solucionar questões complexas e, se houver vontade, os seres humanos também conseguirão limitar as agressões que temos causado ao planeta e reduzir as consequências que elas provocam sobre nós mesmos. “Devemos nos animar com a versão de Hesíodo do mito de Pandora, na qual ela conseguiu impedir uma única fuga: a da esperança. ‘Ela permaneceu sob os lábios do frasco e não voou para longe’. Há esperança de um mundo saudável e ambientalmente seguro”, diz, com otimismo, Nailza.
Felizmente, para abastecer esta esperança, podemos contar com a Educação Ambiental como uma ferramenta poderosa, que é capaz de promover transformações positivas consistentes na forma como as pessoas encaram o mundo. Se tal transformação não é possível em curto prazo, o que seria muito oportuno para superarmos a crise presente, ela será fundamental para evitarmos adversidades futuras e para bem nos prepararmos para aquelas que forem inevitáveis.
* Presidente da Amoran e editor do Comunidade Ativa, Carlos Alberto é jornalista e especialista em
Educação Ambiental
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