A salvação do planeta está na formação de cidadãos íntegros
Pode ser que alguém ainda teime. Mas, pelo ponto de vista da ciência, são muitas as evidências acumuladas ao longo dos anos que relacionam a ação humana com a crise ambiental extrema que o planeta está enfrentando. Há anos, por exemplo, pesquisadores têm alertado para o risco de uma crise hídrica severa no Sul e no Sudeste do Brasil, que, em algum momento, ocorreria em função do desmatamento da Amazônia.
Pode parecer estranho uma floresta interferir no ciclo das chuvas em regiões tão distantes delas. Porém, a explicação é relativamente fácil de compreender.
É sabido que um fenômeno conhecido como “rios voadores” transporta a água que evapora no Oceano Atlântico e no Norte do país até as regiões mais ao Sul. Esse fenômeno ocorre porque a floresta úmida e em território com temperatura elevada vai acumulando cada vez mais água na atmosfera, formando grandes volumes de vapor que são direcionados pela Cordilheira dos Andes para regiões com menor densidade de vegetação — e, portanto, mais secas e com temperaturas mais amenas —, onde o vapor acaba se condensando e se transformando em chuva. Sem a floresta, esses rios são interrompidos, impedindo que a água chegue até onde deveria (veja o vídeo).
Por esse motivo, o desmatamento e as queimadas no Norte se conectam diretamente à falta de água e de energia elétrica no Sul e no Sudeste brasileiros. Esta é apenas uma das muitas associações que podem ser feitas entre a ação humana desconectada dos valores que deveriam pautar a humanidade com os impactos que surgem sobre o meio ambiente.
Conhecimento negligenciado
Existem inúmeras outras informações como as do exemplo dos rios voadores que fogem do conhecimento da maior parte da população. Entretanto, as pessoas que têm o poder de decisão sobre grandes empreendimentos e que, mesmo bem assessoradas, preferem negar algo que, há bastante tempo, passou do nível de preocupação para o de alerta de urgência, precisam ser pressionadas para que adotem uma mudança drástica de postura diante das causas ambientais.
Contudo, enquanto toda o conhecimento existente for negligenciado e a sociedade se mantiver inerte, sem exercer o papel de cobrança sobre aquelas pessoas poderosas, nenhum alerta surtirá o efeito necessário. O mesmo raciocínio vale para a falta de ação individual e coletiva dos cidadãos e cidadãs que, em todos os níveis, se recusam a resgatar os valores básicos da humanidade que, certamente, nos reconduziriam para uma situação de maior equilíbrio ambiental.
Formando cidadãos íntegros
O primeiro passo nesse sentido está na busca pelo entendimento dos processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade. Vale destacar que o trecho em itálico reproduz a definição dada pela Lei Federal nº 9.795, de 1999, que instituiu no Brasil a Politica Nacional de Educação Ambiental (PNEA).
Entretanto, mais do que um conceito legal, a chamada Educação Ambiental pode ser vista por um ponto de vista prático na formação de cidadãos capazes de contribuir para que a boa qualidade de vida na Terra seja restaurada. Quando o cidadão se torna entendedor daqueles processos descritos na PNEA e age de forma a desenvolvê-los, a postura que ele adquire diante da sociedade e do meio ambiente se transforma de forma bastante positiva.
Esta era, aliás, a base do pensamento do doutor Hugo Werneck (1919-2008) com relação à ecologia. O dentista que se tornou um dos pioneiros e principais nomes do ambientalismo mineiro acreditava que o melhor caminho para conscientizar as pessoas com relação às causas ambientais seria estimulá-las a exercerem plenamente a cidadania.
Em entrevista dada ao jornalista Hiram Firmino pouco antes de sua morte, descrevendo a forma como vinha conduzira um trabalho de Educação Ambiental com ribeirinhos do Rio São Francisco, doutor Hugo resumiu esse raciocínio. “Meu tema agora, antes de ecológico, é contribuir para formarmos cidadãos íntegros. E para isso eu tenho de falar dos valores da família, da escola e da sociedade. E do amor que também anda sumido nas relações atuais. Afinal, não nascemos humanos, nos tornamos humanos. Valores também são presentes na natureza, nos pássaros…..”, ele disse.
Portanto, o caminho para restaurarmos as florestas e os rios voadores que garantem água em nossas torneiras e eletricidade em nossas casas e empresas, e também para resgatarmos todo o equilíbrio ambiental que, ao longo dos milênios, o ser humano corrompeu, começa com o desenvolvimento aqueles valores que a humanidade tem desconsiderado desde o início da civilização. Somente como cidadãos íntegros conseguiremos encontrar esse caminho.