Mesmo em tempo de pouca liberdade, brincar é essencial
Houve um tempo, quando as crianças podiam viver mais livres pelas cidades, em que as brincadeiras aconteciam de maneira espontânea e as tradições eram transmitidas entre os pequenos de forma natural, sem a necessidade da interferência de um adulto. Porém, muita coisa mudou de lá pra cá.
A começar pela reconfiguração dos centros urbanos, que se tornaram infinitamente menos seguros do que foram no passado. Assim, o espaço de brincar foi reduzido a breves momentos na escola ou às condições controladas de condomínios e de clubes, ocorrendo em ocasiões não tão frequentes como as que existiam antes.
Além disso, para dificultar ainda mais o cenário, há quase dois anos as crianças foram impedidas de brincar, mesmo que fosse com a pouca liberdade que tinham antes da pandemia. Como se não bastasse, no momento em que elas sentiram o gostinho de voltarem novamente à liberdade, ainda que fosse à restrita, vêm as incertezas quanto as possibilidades da volta à normalidade.
Felizmente, aliadas à necessidade de limitar os movimentos da criançada, inúmeras alternativas tecnológicas foram desenvolvidas. Por um lado, elas são ótimas, porque permitem que meninas e meninos encontrem outros meios para extravasarem a criatividade e consiga, de alguma, suprir a necessidade de conviver com o lúdico. Porém, nada se compara aos jogos físicos e presenciais de antigamente.
Brincar é indispensável
Ninguém tem dúvidas de que brincar é algo indispensável na infância. É por meio da brincadeira que a criança começa a se relacionar com o mundo e a se desenvolver. Brincar estimula a criatividade e o desenvolvimento de novas habilidades, permite a socialização, ajuda no entendimento da necessidade de regras e reforça a capacidade de expressão e de comunicação.
O momento de brincar permite ainda que o imaginário seja transportado para o mundo real, transformando situações simples em algo valioso e enriquecedor. Assim, os brinquedos e as brincadeiras passam a fazer parte da própria experiência de vida dos pequenos.
De fato, os especialistas consideram que a criança que brinca tem mais chances de se tornar um adulto criativo e com maior capacidade para se socializar.
Personalidade integral
Não foi por acaso que o médico pediatra, psiquiatra e psicanalistas inglês Donald Woods Winnicott dedicou muito do seu tempo a analisar os efeitos das brincadeiras sobre as pessoas, inclusive ao conectar o ato de brincar à realidade. “É no brincar e talvez apenas no brincar que a criança ou o adulto fluem sua liberdade de criação e podem utilizar sua personalidade integral e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu”, disse Winnicott.
Também não é sem motivo que o Artigo 227 da Constituição Federal assegura o lazer como um direito da criança, o que é reafirmado pelos artigos Artigo 4 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) — Lei Federal nº 8.069, de 1990. Aliás, em seu Artigo 16, o ECA é ainda mais explícito ao dizer o direito à liberdade assegurado aos pequenos compreende, entre outros aspectos, brincar, praticar esportes e divertir-se.
Portanto, é indispensável que pais e educadores entendam e respeitem a relevância da brincadeira e que proporcione condições para que as crianças brinquem sempre. Aliás, é até oportuno que, em certas ocasiões, os adultos brinquem com elas, o que pode ser extremamente divertido para todos.
Principalmente se forem resgatadas as brincadeiras de outras épocas e, na medida do possível, a liberdade que elas permitiam.