Cidadania

Sobre a arte de participar da construção da cidade

Antes de, há 11 anos, se mudar para Avignon, na França, para onde foi cursar um mestrado em Direito, Diorela Kelles ainda não tinha a compreensão bem estruturada sobre o direito à cidade, mas as formas como a vida urbana acontece já estavam no seu campo de interesse havia bastante tempo. Como ocorre com outras pessoas que se sentem inseguras com a violência frequente nas ruas, ela conta que, aqui em Belo Horizonte, não experimentava tanto o contato com os espaços públicos, mas percebia as possibilidades de transformações positivas no seu entorno.

Além de advogada, Diorela também é bacharel em Comunicação Social, o que permitiu que, na França, ela trabalhasse no jornal avinhonês Vaucluse Matin. Ali, ela aprendeu muito sobre o que define como sendo “a arte de participar e de cons-truir a cidade”, que ela decidiu praticar quando retornasse a BH.

O direito à cidade

Em 1968, quando o filósofo e sociólogo francês Henri Lefebvre publicou Le droit à la ville (O direito à cidade), a França vivia uma efervescência de ideias que, em maio daquele ano, acabaram levando à onda de protestos de ordem social que se tornou inspiração para outras inquietações similares mundo afora. Naquele tempo, o filósofo já entendia que o cidadão não deve existir como mero figurante da cidade, submisso às decisões unilaterais dos administradores. Em vez disso, ele deve exercer o direito que tem de participar das mudanças do lugar onde vive.

Além de Lefebvre, outros pensadores também se dedicaram ao tema, estabelecendo uma série de conceitos mais ou menos complexos, úteis a quem pretende se aprofundar no assunto. Porém, Diorela prefere apresentar uma definição pessoal mais acessível da ideia. “Direito à cidade é o direito que todo morador deve ter de vivenciar e de se desenvolver com a cidade. Entendo que está no direito de andar a pé ou em transporte público de qualidade. No direito de descobrir o comércio local, de acessar uma escola, um hospital ou um posto policial de onde estiver, sem pagar um preço muito alto por isso. É o direito que o cidadão tem de frequentar áreas verdes e de respirar ar puro e também de conhecer pessoas na rua, de circular em segurança e de criar seus projetos pela cidade para o bem de toda a comunidade”, ela resume.

Para Diorela, o Brasil tem avançando nessa direção e muitas pessoas já percebem que o tema não está conectado a um partido político ou a uma única ideologia, mas sim à vontade de conquistar melhor qualidade de vida para todos. “Quando vejo projetos como o Na Pracinha, a criação de blocos de carnaval, a união das pessoas para realizarem plantações urbanas ou mutirões para ensinar a andar de bicicleta, pra fazer tai chi no parque ou criar artes muralistas nas ruas, penso que estamos num caminho muito bonito”, considera.

Exemplo prático

Além de se dedicar ao projeto @vistadacidade no Instagram, desde o início de novembro, Diorela está trabalhando na área administrativa da Amoran e, há mais tempo, tem colaborado com textos para o Comunidade Ativa (veja na página 2) o que, segundo ela, são atividades que se conectam diretamente com o que acredita. “A Amoran é um lugar que congrega muitas iniciativas para a sociedade, o que, naturalmente, cria um ambiente acolhedor e propositivo. Acho que isso reflete muito no que defendemos para as cidades. É o que chamamos de ‘terceiros lugares’. Lugares onde podemos ir sem ser para trabalhar, estudar, cuidar da saúde, comer ou dormir. Esses lugares existem e têm uma função também: a das pessoas simplesmente se sentirem vivas. Com tantas ideias que a Amoran apresenta e também com suas proposições — como cursos e assistências às pessoas —, o convite está claro: é um espaço criado por pessoas para pessoas. Eu quero contribuir para tornar a Amoran um ator fundamental de proposições para a cidade, atendimento à comunidade e colaboração com o seu contexto”, explica.

Nestas ações, Diorela encontra formas de exercer o próprio direito à cidade, mas destaca que existem outras inúmeras possibilidades, que, de tantas, não caberiam em uma única matéria. “É interessante que as pessoas pensem como seria a casa ideal para elas. Logo, vão concluir que, dentro de uma casa, é impossível ter tudo o que elas querem. Então, irão além, vão pensar nas suas ruas, nos seus bairros, nas suas cidades, seus estados, seus países, no mundo. De dentro para fora podemos perceber o que nos falta e também encontrar o que podemos entregar para transformar os espaços”, acredita.

Nesse sentido, a advogada destaca maneiras possíveis, que qualquer pessoa pode adotar para influenciar essa transformação. “Eu não sei construir parques, mas posso ajudar a tornar os parques mais interessantes fazendo apresentações de teatro gratuitamente neles, por exemplo. Não trabalho na SLU, mas cuido de separar meu lixo e também de orientar quem quiser fazer isso. Tudo tem a ver com a interação que se tem com a cidade e com a comunidade”, considera.

Porém, Diorela entende que existem pessoas que não estão interessadas nessa pauta. “Tem gente que se encontra maratonando séries e pedindo comida por aplicativo. Tem muito a ver com o estilo de cada um. Mas, para quem quer mais integração, viver a cidade é fundamental”, conclui.