EDITORIAL – Ciclovias: um velho filme com novas versões
Publicado na edição 166 do Comunidade Ativa
Por Carlos Alberto Rocha*
O tempo passa, mas em Belo Horizonte há assuntos que nunca são superados. Prova disso está na celeuma que, mais uma vez, as ciclovias estão causando na cidade. O embate que hoje está acontecendo em torno do tema parece uma reedição, só que com maiores proporções, da confusão que cercou a ideia de se criar uma ciclovia que interligaria a Rua Francisco Deslandes à Avenida Professor Morais, passando pela Pium-i, Outono e Grão Mogol.
Isso aconteceu em 2016. A tal ciclovia fazia parte da Operação Urbana Simplificada da Rua Francisco Deslandes (OUS-RFD), instituída pela Lei Municipal nº 10.954, de agosto daquele ano, que foi criada para compensar os impactos gerados pela ampliação do shopping Anchieta. Diga-se de passagem, uma lei que, até hoje, não teve nenhuma de suas exigências cumpridas — o que inclui iluminação para pedestres ao longo da Deslandes, a instalação de abrigos de ônibus na região e, como cereja do bolo, a revitalização da Praça Marino Mendes Campos, no final da rua, junto à portaria do Parque Monsenhor Expedito D’Ávila.
A ciclovia também era uma das exigências, mas acabou sendo suprimida da OUS-RFD em função da insatisfação de alguns moradores e de comerciantes. Talvez por uma falha de comunicação, uma parcela da população não entendeu bem a proposta. Com isso, não foram poucas as manifestações de quem associou a ciclovia a um recurso de lazer, voltado para ciclistas ocasionais e para as crianças brincarem e que, por isso, não poderia ocupar o lugar de estacionamento para os carros.
Porém, é claro, a realidade é muita diferente. As ciclovias podem ser uma das soluções viáveis para o caos que se tornou o trânsito belo-horizontino. Porém, com a falta de uma exposição suficientemente esclarecedora do projeto — o que deveria ter partido da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) — a ideia acabou sendo rejeitada.
Afonso Pena
Hoje, os argumentos contrários à implantação da ciclovia da Afonso Pena, com muita razão, dão voz à preocupação da população local com relação ao estreitamento da avenida, o que prejudicaria a circulação de veículos. Ao mesmo tempo, há quem veja a topografia da Afonso Pena como inviável para os ciclistas, o que, à primeira vista, também faz sentido.
Entretanto, a PBH afirma ter estudos que dizem que o trânsito não será de fato prejudicado. Ao mesmo tempo, muitos ciclistas, que, afinal, são os que mais entendem de bicicletas, dizem que a tecnologia das bikes de hoje permite superar as subidas íngremes sem tanta dificuldade quanta imagina quem não pedala. Há ainda quem destaque o número crescente de bicicletas elétricas na cidade, que se tornaria ainda maior se ela estivesse mais preparada para recebê-las.
Contudo, em um ambiente onde a comunicação não ocorre de forma adequada, sem que a população seja devidamente informada e muito menos ouvida, uma boa solução pode ser entendida como algo prejudicial, o que só atrasa o progresso da cidade.
Trânsito insustentável
Fato é que a situação do trânsito de Belo Horizonte está pra lá de insustentável. Privilegiando os carros, em detrimento de outros modais menos impactantes, como são as bicicletas, ano após ano, o absurdo na cidade só aumenta.
Haja vista o volume de veículos automotores que circulam pela capital, considerando todos os tipos, e que só faz crescer. Segundo o IBGE, em 2000, eram 655 mil veículos. Em 2010, passaram para 1,3 milhões. No último Censo, de 2022, chegaram a 2,6 milhões. Ou seja, a cada década, a somatória de carros, de ônibus, de caminhões e caminhonetes e de motos dobra na cidade, sem que o crescimento populacional ocorra no mesmo ritmo.
Ao contrário, a população belo-horizontina diminuiu 2,5% entre os dois últimos censos e, se compararmos com a que havia em 2000, recebeu um acréscimo de 80 mil pessoas, o que não é tanto numa cidade que, hoje, tem pouco mais de 2,3 milhões de habitantes. Ou seja, temos mais de um veículo motorizado por habitante e, considerando a área de cerca de 331 quilômetros quadrados do município, são quase 8 mil veículos por quilômetro quadrado.
Esse é um problema gigante que precisa de soluções audaciosas. Nesse cenário, em vez de estrelarem um velho filme, talvez as ciclovias possam se tornar ótimas coadjuvantes de um trânsito melhor em nossa cidade.